Sic semper Belgium

Lloris

John Williams musicaria isso

E aí? Tudo bem? Como foi seu dia? O meu foi assim: tive uma reunião de trabalho às 14 horas, reunião que milagrosamente terminou menos de uma hora após começar, de tal modo que consegui OUVIR o primeiro tempo de França 1×0 Bélgica no Uber que me trouxe até aqui (olá, Humberto Gessinger) e assistir ao segundo no aconchego do meu sofá, pensando na prorrogação e nos penais que não vieram.

Não se pode ter tudo, não é mesmo?

E que primeiro tempo, não? O locutor já meio roufenho berrando com aquela defesa de Lloris no momento em que o carro foi engolido pelo túnel (qual, meu Deus?) (eu só tinha OLHOS para o rádio), a voz desaparecendo aos poucos e deixando no ar a ideia (nem vou dizer imagem) do que ela teria sido (e foi), como se um respeitoso minuto de silêncio pelo voo do guardador-de-redes tivesse sido instituído em todas as rádios do mundo.

(Especialmente nas belgas.)

Pelo que ouvia, a Bélgica pressionava mais e melhor, com Hazard correndo pelo que me remetia a um jardim de fernandinhos — até que o locutor parou de dizer o nome dele. E, pelo que pude imaginar, a partir do momento em que conseguiram sufocar Hazard, os franceses ganharam corpo e equilibraram o jogo. Havia menos espaços e quase nenhum escape pela esquerda belga, e Pavard (após receber um passe de Mbappé, o que gerou mais berros do locutor) só não abriu o placar porque Courtois também estava presente, e trabalhando.

Para o segundo tempo, pude fazer algo que Fellaini não pôde: contar com os meus olhos. Porque aquela bola, alçada via escanteio por Griezmann, devia ser dele, não de Umtiti. Ele não viu o zagueiro francês rugindo em direção à bola? O gol da França fez com a Bélgica o que o gol belga fez com o Brasil na fase anterior: desorganizou, enervou, descompensou. De repente, lá estava De Bruyne errando passes que geravam contra-ataques que quase geravam o segundo gol adversário. De repente, lá não estava Hazard, não mais — e, sejamos justos, num dos poucos momentos em que esteve, sofreu uma falta muito, mas muito perto da área, infração absurdamente ignorada pelo juiz.

Previsível e cada vez mais abrasileirada, a Bélgica insistia nos mesmos movimentos (quando estes não eram abortados no meio do caminho): De Bruyne vinha pelo meio, penteava um pouco a bola e depois tocava para Chadli ou Mertens, que lançavam a infeliz na área e (presumo) rezavam para que Fellaini ou Lukaku a alcançassem. De vez em quando, alguém se lembrava de Hazard, mas a forte marcação impedia quaisquer desdobramentos maiores ou mais perigosos. A bola batia e voltava, ou girava bestamente até que alguém cometesse um erro.

A previsibilidade ofensiva sempre dá a impressão de que os defensores operam em uma velocidade mais alta, mais ligados, focados ou coisa que o valha. Adiantam-se sem dificuldade aparente, anteveem, defletem, tomam, afastam quaisquer possibilidades de perigo. A ameaça do empate estava no ar, é claro que estava, um cabeceio de Fellaini aqui, um chute de Witsel ali, mas, passada a tormenta, fica a impressão de que eles poderiam estar lá até agora, impossivelmente dando prosseguimento ao jogo, e o placar continuaria o mesmo (ou talvez a França tivesse marcado o segundo). É a minha impressão, pelo menos.

Para resumir a coisa (amanhã tem Inglaterra vs. Croácia e precisamos repousar), na maior parte do segundo tempo, enquanto a França controlava o jogo, a Bélgica entrevia a partida de sábado, a melancólica disputa pelo terceiro lugar, esfregava os olhos, dizia NÃO, debatia-se, desesperava-se, mas era — foi ou pareceu ter sido — inevitável.

Sobre André de Leones

Escritor.
Esse post foi publicado em A Copa-em-si. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário