Sobre os azuis, e sobre o futuro

Por André de Leones.

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Indo direto ao ponto: ontem tivemos uma bela final para um belo Mundial. Auxiliada pela arbitragem (que inventou uma falta perto da grande área), pela sorte (o cabeceio de Mandzukic contra o próprio gol) e por uma interpretação problemática da regra (pênaltis daquele jeito são habitualmente marcados, e o problema está na orientação da chefia para que isso aconteça), a França terminou o primeiro tempo em vantagem. Mas, desde o começo, a Croácia não se escondeu, deixando bem claro que ganharia ou perderia em seus próprios termos, e boa parte da supracitada beleza da coisa se deveu a isso.

Não houve espaço para o acaso ou a sorte nos gols seguintes da França. O terceiro foi brilhante desde o longo e certeiro lançamento de Pogba para Mbappé e a tranquilidade com que Griezmann ajeitou até a finalização do próprio Pogba, já posicionado para investir contra a jugular croata. Pogba, ainda mal aproveitado no Manchester United de Mourinho, é o proverbial meio-campista box-to-box, que cobre boa parte da extensão do campo, defendendo, criando e atacando. Não há nada parecido com isso na seleção brasileira.

O terceiro gol chamou a atenção tanto para as qualidades individuais quanto para o trabalho coletivo (agressivo e sem firulas) dos franceses. No Brasil, ainda são muito disseminadas as noções de que o pragmatismo e a verticalidade “enfeiam” o futebol e de que haveria uma forma “brasileira” de jogar (“criativa”, “moleque”, “dibradora”, “imaginativa”), a qual estaríamos sempre em vias de perder (alguns dizem que ela morreu em 82, outros batem palminhas a cada carretilha ou pedalada inócua nos confins do campo). Por aliar criatividade e objetividade, esforço conjunto e talentos individuais, a França não só “mereceu” seu bicampeonato como demonstrou, didaticamente (detalhe: muitos times fizeram e fazem isso pelo mundo afora), que é preciso obter e manter um equilíbrio constante entre tais e tais elementos para se chegar a algum lugar.

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“O senhor ponha-se daqui para fora, isso não é Libertadores!”

Tal equilíbrio também pôde ser verificado na Croácia, muito embora o seu jogo seja menos reativo, acelerado e vertical. Ou, melhor dizendo, as acelerações são pontuais pela maneira como os jogadores se posicionam em campo e propõem o jogo. Há uma conversa mais prolongada entre os dentes da engrenagem. (É uma pena que, ontem, Modric não tenha encontrado tanta interlocução quanto gostaria — e ele a buscou intensamente–, e muito disso se deve à forma como a primeira metade do jogo se desenrolou.)

No entanto, nem mesmo aquele primeiro tempo atabalhoado ou a França abrindo 4×1 no placar obscureceu a beleza do confronto, o diálogo franco entre dois modelos obviamente bem-sucedidos e as possibilidades que eles ensejaram no decorrer do jogo e, claro, para o futuro. Mesmo que hoje não tenhamos uma nova seleção entre as campeãs, a Copa da Rússia explicitou aspectos muito interessantes da evolução do esporte, seja por meio de equipes limitadas, mas muito bem montadas e treinadas (Marrocos, Dinamarca, Irã), seja mediante o questionamento de posturas e ideias engessadas, que resultaram na desclassificação de gigantes como a Alemanha, a Argentina e o próprio Brasil (para não citar Itália e Holanda, que morreram nas Eliminatórias).

Em se tratando de Brasil, no limbo entre a decepção catastrofista e a arrogância típica dos pachecos (na transmissão global de ontem, já ouvi os comentaristas falando cheios de certezas verde-amarelas sobre a Copa de 2022), há que se encontrar espaço para o reinício do trabalho, a recuperação de ideias que deram certo, a observância dos modelos alheios bem-sucedidos e a reflexão sobre o caminho a seguir em vista dos atletas à disposição, agora e no futuro próximo — dos atletas em melhores condições a cada convocação, bem entendido, não dos ungidos pelo treinador.

Estou desde já ansioso para ver se e como a seleção brasileira evoluirá (oi, Copa América), acompanhar a resposta alemã ao vexame na Rússia (a Eurocopa é logo ali), conferir a propalada reconstrução italiana, rever a Bélgica e reencontrar a Holanda, seguir de olho na jovem seleção inglesa, assuntar se e como a seleção argentina ressurgirá das cinzas, em suma, percorrer todo o caminho até o Catar, sem pressa, vendo o que há para ser visto e saboreando cada lance e cada partida com os olhos e o coração bem abertos.

Sigamos.

 

 

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