Obituário

Por André de Leones.

Br

Observem a cabeça de Kompany alterando o campo gravitacional

Não fosse pela companhia de De Bruyne, Fernandinho seria o homem mais solitário do mundo. Perdido no miolo de uma composição tática que era (furtando a expressão do narrador Rômulo Mendonça) um autêntico convite ao prazer (dos adversários), o volante brasileiro testemunhou a liberdade com que seu companheiro de clube se movimentava na intermediária. Sozinho ali, ele não podia — não pôde — fazer muita coisa.

Mas, antes de discorrer sobre o falecimento brasileiro, talvez seja melhor dar uma olhada na equipe adversária. No jogo anterior, contra o Japão, em desvantagem no placar, o técnico Roberto Martinez trocou Carrasco (que fazia uma partida horrorosa) e Mertens (que sequer parecia em campo) por Fellaini e Chadli, e a Bélgica transformou um constrangedor 0x2 em um belo 3×2. Para o jogo contra o Brasil, ciente da habilidade dos nossos meias e atacantes, Martinez optou (não foi uma escolha difícil, certo?) por manter aquelas duas peças na escalação titular. Fellaini não é apenas um enorme cone cabeludo que, de vez em quando, em lances de bola aérea, serve Lukaku ou escora para o fundo das redes. Com ele à frente de uma problemática linha de três zagueiros (misery loves Kompany), o time adquiriu algum equilíbrio e, em se tratando do jogo de ontem, permitiu que De Bruyne deslizasse (desfilasse?) por entre as linhas brasileiras. Em suma, Martinez percebeu um problema e tratou de corrigi-lo; “ousando” insistir no que havia dado certo, venceu mais uma vez.

Tite, por sua vez, ignorou os problemas (a inutilidade de Gabriel Jesus e Willian, a previsível e propalada solidão de Fernandinho) e, quando tentou corrigi-los, errou de novo (Gabriel Jesus caindo pela direita?!). A falácia de que a opção por Jesus em detrimento de Firmino era de ordem tática é exatamente isso: uma falácia adenorista. Firmino faz tudo o que o outro supostamente fazia (apoio à marcação, roubos de bolas, abertura de espaços, “flutuação”), e melhor. Muito melhor. Por exemplo: além de apoiar, roubar, abrir, “flutuar”, Firmino faz gols.

(Um atacante que faz gols. Uau. Que conceito.)

E aqui eu me lembro de Lukaku. Na Copa de 2014, após (salvo engano) duas atuações ruins, e até como forma de preservá-lo (tinha apenas 21 anos na ocasião, mesma idade de Jesus hoje), Lukaku foi para o banco. Quatro anos depois, sem o peso de um fracasso anterior, todos vimos — estamos vendo — do que ele é capaz. Jesus, por sua vez, visivelmente imaturo e incapaz de fazer agora o que se espera(va) dele, foi sacrificado graças à teimosia de um treinador que, remetendo ao intolerável Dunga, parecia incapaz de repensar suas escolhas.

Óbvio que Tite não é tão ruim quanto Dunga. De forma alguma. Até porque Dunga sequer é um treinador de futebol. Não. Tite é um profissional inteligente e bem informado, agora também escaldado, que (acho) deve ser mantido no cargo e passar por todo o chamado “ciclo”, desta Copa à seguinte. Duvido que, no futuro, continue aferrado a determinadas certezas, que não pense duas vezes antes de elogiar a “importância tática” de um jogador eventualmente imprestável, que não lide melhor com a imbecilidade de Neymar etc. e tal.

Mas, diabos, falemos do jogo de ontem.

Nele, foi curioso como o Brasil voltou a odiar a bola. Após aquele bom segundo tempo contra o México, Willian readquiriu o velho hábito de desaparecer, Fagner estendeu um tapete vermelho para a excelência de Hazard (Fagner, que sofrera com Vela no jogo anterior) (VELA!) e Marcelo estava em toda parte, exceto onde sua presença era necessária. Após alguns lances promissores, contando inclusive com a capacidade da defesa belga de flertar com o desastre (ah, aquela bola na trave…), bastaram um escanteio e um contra-ataque movido por cabeças e pés talentosos (sim, eu também senti saudades do México e sua “pressão” estéril, sua ineficiência ofensiva) para que Tite contemplasse o abismo, e o abismo, é claro, olhasse de volta. E sorrisse.

O primeiro tempo poderia facilmente ter chegado ao fim com um 3×0 no placar. O que foi aquela falta, por exemplo? De Bruyne olhando para os dois (dois?!) brasileiros na barreira e quase depositando a bola no ângulo direito de Alisson. Por sorte, a bola não fez a curva esperada e o goleiro espalmou para fora. E nem vou falar de Kompany quase marcando de calcanhar.

A pressão brasileira na segunda etapa não foi, é claro, completamente inútil. Renato Augusto marcou um belo gol de cabeça e teve a oportunidade de empatar o jogo. Coutinho, servido por Neymar, também procurou o gol, mas não o encontrou. Courtois defendeu uma bomba de Neymar. Diante da desorganização ofensiva e da sofreguidão tupiniquins, a Bélgica se fechou e defendeu como pôde. Seus meias e atacantes, cansados, tentaram, mas não conseguiram puxar o contra-ataque que levaria ao terceiro gol. E, ao final, afinal, a seleção brasileira morreu da mesma forma como havia nascido nesta Copa (aquele empatezinho com a Suíça, lembram?): no escuro, ignorante de si e dos outros, e em silêncio.

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2 respostas para Obituário

  1. Parabéns pelo réquiem, senhor André!

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