Por André de Leones.
Desde que me entendo por gente, ouço o Oráculo Global falando em “gostar do jogo”: “Não deixa eles gostarem do jogo!”; “O Brasil começa a gostar do jogo!”. Hoje, em boa parte do primeiro tempo dessa vitória brasileira por 2×0, graças a um trabalho louvável de seus jogadores, o México gostou bastante do jogo. Já o Brasil, mais do que desgostar do jogo, parecia odiar a bola.
Fagner e Filipe Luís sofreram um bocado com os pontas adversários, Paulinho (em sua melhor partida) fez alguns desarmes importantes, mas todos atuavam a uma velocidade abaixo do aceitável e, no caso dos laterais, mal posicionados e desprotegidos. As péssimas escolhas se acumulavam. Passes errados, lançamentos estéreis, opções incompreensíveis. O meio-campo era mexicano, e eles invertiam bolas e trocavam passes (mais do que passes: ideias), muitas vezes com profundidade, sem maiores problemas.
Ocupar espaços jamais é algo simples em uma partida desse nível, e a sorte do Brasil é que o gegenpressing aos poucos exaure qualquer equipe. Além disso, os mexicanos não aproveitaram as chances que tiveram para inflamar o nervosismo brasileiro com um golzinho (sigo curioso para saber se e como a seleção de Adenor reagiria caso se visse em desvantagem no placar). Não foi apenas sorte: Thiago Silva e Miranda se atiraram contra a bola mais de uma vez, encapsulando a disposição de ambos e explicitando suas qualidades (minhas desconfianças são de outra ordem, e disso já falei AQUI).
Quando veio o intervalo, embora Willian ainda não tivesse entrado no jogo (ou sequer na Copa) e Coutinho gozasse (presumo) de uma folga, a faixa central já não era mais o campo minado dos primeiros 25 minutos. Era possível caminhar e correr e trocar passes por ali. Sem medo. E sem tanta pressão.
Não sei se vocês concordam comigo, mas, antes de querer gostar do jogo, os brasileiros devem reaprender a gostar da bola. Foi o que aconteceu no segundo tempo. Desde a primeira etapa, sejamos justos, Willian já buscava a bola, mas ela parecia se ressentir da relação abusiva a que foi submetida nos últimos encontros e trabalhava contra o jogador do Chelsea. Feitas as pazes (o que terá dito a ela no intervalo?), estando de bem com a pelota, Willian pôde, enfim, sair à caça do jogo e — o que é melhor — encontrá-lo.
Foi um bom segundo tempo, coisa que nem mesmo o constrangedor surto epiléptico de Neymar na beira do campo (foi pisado, o mexicano devia ter levado um amarelo, mas que escândalo embaraçoso do brasileiro) pôde obscurecer. O próprio Neymar, não obstante as eventuais recaídas, galgou mais um degrau rumo ao nível que se espera dele, adiantando-se inclusive ao fastidioso Gabriel Jesus para marcar o primeiro gol; na maior parte do tempo, esteve bastante interessado em jogar futebol.
A ausência de Casemiro das quartas-de-final (contra Bélgica ou Japão), amarelado hoje pela segunda vez, é preocupante. A ideia de que Fernandinho (seu provável substituto) “conhece bem” os prováveis adversários por jogar com (De Bruyne) e contra (Hazard, Lukaku) alguns deles é uma bobagem. Nesse nível, todos conhecem todos muito bem. A questão é se o Brasil conseguirá encaixar o jogo desde o princípio. Vinte e cinco minutos de pressão belga talvez cobrem um preço muito mais alto do que hoje auferiu a pressão mexicana. Claro, se não tivermos outra zebra logo mais.
…………
Quem também apreciou a bola (por alguns momentos) foi a Argentina. A derrota por 4×3 para a França foi uma surpresa: dado o caos reinante nas plagas hermanas, imaginava que Mascherano cia. fossem engolir um 4×0, talvez mais. Em uma tarde “ruim”, Messi se despediu da Copa (das Copas?) com duas assistências e seus companheiros quase arrastaram a partida para a prorrogação. Claro que o dia foi de Mbappé, mas esse hábito francês de se desligar do jogo (fruto, talvez, da inexperiência do elenco) talvez lhes custe caro contra o incansável Uruguai. A conferir.
Surpresa foi a Rússia (nunca critiquei) despachar a Espanha. Fato: a Espanha gosta tanto da bola que não sabe mais o que fazer com ela. O que se viu ontem foi uma caricatura do famigerado “tiki-taka”, uma jornada tediosa pelos escombros de um modelo de jogo que nunca me apaixonou (sempre prefiro a verticalidade, a transição rápida, o jogo incisivo, objetivo, assassino). A Copa de 2010 foi uma das piores que vi, e o fato de a Espanha tê-la abocanhado explica, em boa medida, a chatice monumental daquele torneio e a péssima lembrança que tenho dele. Que os espanhóis busquem e encontrem alternativas. Que ao menos se esforcem para manter os espectadores acordados daqui por diante. Em suma, que nos deixem gostar do jogo.
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