Os jardins abandonados

Por André de Leones.

Neymar

Oh, Deus! Como são gestos vãos, inúteis,
A meu ver, esses hábitos do mundo!
Que horror! São quais jardins abandonados
Em que só o que é mau na natureza
Brota e domina. Mas chegar a isto!

Hamlet, ato I, cena 2.

O que dizer desse apanhado de homens (pais de família?) infantilizados que giram inutilmente e se jogam e xingam e esperneiam? O que dizer de um ídolo tão pequeno, tão reles, tão mesquinho? O que dizer de um jogo mequetrefe em que, por alguns segundos, os erros cometidos (pela arbitragem) em confrontos contra Turquia (2002) e Croácia (2014) voltaram a aparecer? Roubado só é mais gostoso para quem se refestela na lama. Felizmente, não foi assim. Pelo menos isso.

Mas lá estava o capitão redivivo, aquele mesmo Thiago Silva acovardado de outrora, hoje compensando (sejamos justos) pela técnica o que já lhe faltou em controle emocional — mas até quando? Lá estava o pobre Willian, ceifando um ataque após o outro graças a uma falta de cuidado que, diante de uma seleção ofensivamente melhor, poderia ser fatal. Lá estava Casemiro, irreconhecível na maior parte do jogo. Lá estava Coutinho, procurando por um espaço que seus companheiros foram, na maior parte do tempo, incapazes de ajudá-lo a abrir, criar ou descobrir. Lá estava Gabriel Jesus, incapaz de flutuar para além da calçada que pintou anos atrás e abrir, criar ou descobrir espaços para a infiltração dos companheiros. E lá estava Neymar, minúsculo, gritalhão, desonesto, risível.

Mas, como adiantei acima, o juiz felizmente voltou atrás na marcação do penal que Neymar escandalosamente tentou cavar, o Brasil venceu a Costa Rica por 2×0 e tudo o que ouço são meus vizinhos gritando “chupa, Argentina!” de suas janelas, como se uma vitória “achada” contra uma equipe medíocre (se tanto) tivesse alguma coisa a ver com o vexame argentino perante uma seleção talentosa e bem organizada, a Croácia de Modrić & cia. Não tem, mas e daí? Que gritem. Faz bem. Anima, reanima. É catártico. Nos jardins abandonados em que vivemos, a única coisa que resta a alguns é gritar.

Mas vi Neymar (aparentemente) indo às lágrimas ao final do jogo, ajoelhado no meio do gramado, e pensei: não. Não compro o choro. Não compro o ídolo. Não compro a falta de postura, a carência de profissionalismo, a falsidade, as molecagens, o desrespeito para com o árbitro, os adversários, os companheiros e os torcedores. Mesmo que vença a Copa, esta ou a próxima, esta e a próxima, Neymar ainda é e será um sintoma flagrante do que “brota e domina” por aqui, o produto moralmente falho de um não-país, a quintessência de uma geração de chorões e descompensados. Craque de futebol, é só. Tire o uniforme e as chuteiras e só restará um vácuo, a pura presentificação daquele abandono. Pobre demais. Paupérrimo.

Mas ainda há tempo. Não há? Sim, talvez haja.

É possível que, como aconteceu nas Olimpíadas (onde, se não me falha a memória, a seleção empatou os dois primeiros jogos), a equipe agora respire fundo, caia em si, reorganize-se tática e animicamente e deslize pela Copa afora com um mínimo de dignidade, ganhando ou perdendo. É bem possível que Thiago Silva siga aliando à sua inegável excelência técnica o controle emocional que se espera de um jogador profissional. É bem possível que Tite perceba que o lugar de Douglas Costa e Firmino não é o banco de reservas. E é possível até que Neymar cresça um pouco e se comporte como um adulto ou, pelo menos, como o ídolo dessa multidão tão maltratada — o máximo que, a essa baixeza das coisas, podemos esperar.

Torço por essas coisas e outras mais. Realmente torço. Mas as interrogações são devastadoras. Os vacilos, as desconfianças. “Cada fato sugere um mal latente”, diria Gertrudes. E, muitas vezes, nem latente é. Está ali, na nossa cara. Diante dos nossos olhos incrédulos. Que eles tenham algum descanso, afinal. Nossos olhos e ouvidos. Porque a alma brasileira queima a fogo brando, no espaço vazio, abandonado, desse jardim em que bem pouca coisa viceja.

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Escritor.
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6 respostas para Os jardins abandonados

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  3. Fernando S M G de Freitas disse:

    Que texto horroroso! Viva Nelson Rodrigues, que com seus adjetivos primorosos definia bem esses “incrédulos” observadores da gente brasileira! Help!!

    • André de Leones disse:

      Obrigado pela leitura, Fernando. De fato, Nelson é tão grande quanto seus leitores desatentos. Abraços.

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